quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

O PADRE QUE NÃO ERA SANTO



Baseado num causo que vi o talentoso Rolando Boldrin contando no extinto programa SOM BRASIL na Rede Globo.

I
Padre Chico muito novo
Foi vigário em Campolina
A cidade bem pacata
Numa terra campesina
Era um padre popular
Pelos modos de falar
Essa foi a sua sina
II
A beata Severina
Era sua preferida
Zé Romão o sacristão
Viveu junto uma vida
Esse padre diferente
Era muito competente
Sua fé foi bem ungida
III
Gostava duma partida
De buraco com os fiéis
Não dispensava uma pinga
Execrava os cabarés
Jogava bola também
E dançava um xenhenhem
Muitos eram seus papéis
IV
Com plebeus com bacharéis
Os tratava como iguais
Gostava de vaquejada
E também dos festivais
Corria na cavalhada
Não dispensa a pelada
E também os carnavais
V
Modos não convencionais
Os seus modos de fazer
Conduzir o seu rebanho
Muitos a repreender
Mas com a igreja cheia
Nem o bispo lhe aperreia
Deixando assim ele ser
VI
Mesmo ao envelhecer
Muita popularidade
Foi padim de muita gente
Das crianças da cidade
Caridoso e divertido
Um padreco imbuído
Muita originalidade
VII
Mas o peso da idade
Obrigou a se aposentar
E assim a diocese
Tratou logo de mandar
Outro padre rezador
Pra cuidar ser condutor
A paróquia pastorar
VIII
Com o bispo a decretar
Novo padre que chegou
Que foi substituir
Padre Chico que esperou
Ele na rodoviária
Pois achou bem necessária
Atitude que tomou
IX
Padre Zeca se assustou
Com o velho padre assim
Era um velho bem fogoso
Que não era um querubim
Mas enfim sua missão
Era sua vocação
Estudou para esse fim
X
Vindo lá de um confim
Onde foi seminarista
Assumir esta paróquia
Padre Zeca era um artista
Tinha até CD gravado
Mas um cabra recatado
E corria noutra pista
XI
Padre Chico ruim da vista
Levou ele pra mostrar
Mostrou como era igreja
Como o povo então levar
E pra não causar um choque
Levou Zeca a reboque
E se pôs logo a falar
XII
Pra você se adaptar
Isso aqui é o interior
Uma gente boa e simples
São pessoas de valor
Eu aqui sou conselheiro
Mas que padre companheiro
Sou parceiro e sou pastor
XIII
Padre Zeca, por favor
Seja padre na igreja
Mas na vida dos comuns
Um boçal você não seja
Um convite nunca enjeite
Se o povo der aceite
Pode até beber cerveja
XIV
Assistir até peleja
De violeiro repentista
Ver jogo de futebol
Eu vou lhe mostrar a lista
Pra ser padre engajado
Pelo povo bem prezado
Que sua missa sempre assista
XV
Como um seminarista
O mais velho ele escutou
E seguiu na mesma linha
Que o velho aconselhou
Padre Chico inteligente
Ensinou todo contente
E o outro ali pegou
XVI
De presente lhe doou
Manual das penitências
Pra punir os pecadores
E lhe dar as assistências
Uma lista com pecado
E o castigo aplicado
Pelas suas indecências
XVII
Ao seguir as preferências
Que padre Chico mostrava
Padre Zeca em pouco tempo
Muito prestígio ganhava
Pelo povo festejado
Perfeitamente engastado
Na cidade que abraçava
XVIII
Mas um dia ali chegava
Pra fazer a confissão
Uma moça bem safada
Namorava de montão
Foi contar tanto pecado
Padre Zeca assustado
Com tanta esculhambação
XIX
E na sua falação
Foi contando que beijou
Na boca do namorado
Que sua xota alisou
E o padre ali falando
Penitências foi ditando
Mas a moça não parou
XX
Pois contou que “funhanhou”
Com tal Mané Zaqueu
Padre Zeca procurou
Funhanhar ali não leu
Funhanhar ali não tinha
Que seria essa morrinha
Padre Chico se esqueceu?
XXI
Pediu um tempo correu
Foi o velho consultar
Qual seria a penitência
Que se dá por funhanhar
Pois assim desconhecia
A gíria que ali corria
Então pôs-se a perguntar
XXII
Padre Chico a cochilar
Acordou com a barulheira
Padre Zeca perguntava
Funhanhar era besteira?
Qual seria o castigo
Que daria sem perigo
Pra mocinha tão rameira
XXIII
Zeca: veja que besteira
Você muito se apavora
O que dá pra funhanhar?
Eu repondo logo agora
Pras essas quengas duma figa
Dá dez paus pra rapariga
Veste a roupa e manda embora
XXIV
Respondeu ali na tora
Padre Zeca com espanto
Decifrou logo essa gíria
E voltou para seu canto
Pra lidar com pecadores
Pra acalmar as suas dores
Não precisa ser tão santo.

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