sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Amigos da Vila do IPSEP.

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Nos anos 70 era a Vila do IPSEP o local para onde eu me dirigia para meus lazeres e vida social que tive dos meus 14 anos até por volta dos 25 anos quando arribei de casa pro mundo. Lá eu tinha meus colegas de peladas de futebol, os parceiros das memoráveis pelejas de xadrez, porém, com o advento de minhas inserções no mundo do violão, por volta de 1978, é que ampliei bastante meus contatos com gente engraçada e divertida deste ambiente. Dos parceiros de xadrez, havia o Ronaldo, um cara muito estudioso, fez escola técnica e passou num dos vestibulares mais concorridos da época: o de engenharia elétrica da UFPE. Tinha mais dois irmãos Romero e Ricardo, ambos também afeitos ao gosto pelos os estudos, Ricardo, o mais velho, estudou química na UFPE, foi morar em Petrolina para trabalhar e por lá mesmo noivou e encomendou seu casamento, para desgosto da sua mãe que não gostava da futura nora. Mas isso não vem ao caso.

Havia um cara engraçadíssimo que morava na Vila Mauriceia: o Gilson, um mulato magro e enorme, escrotíssimo, tomador de cachaça e também tocador razoável de violão, gostava das músicas da dupla Toquinho e Vinícius, coisa que foi o nosso ponto de intersecção, sendo mote da nossa empatia e amizade. Gilson era comerciário, estudara em escola pública deficitária e tentara sem sucesso vestibular para medicina várias vezes. Ele era trabalhador e gostava demais da farra, passamos muitas noites em claro pelos botecos do bairro tocando e cantando, assim como promovendo toda sorte de molecagens e até algumas arruaças.

Uma vez ele me chamou pra me mostrar uma música sua que compusera em parceria com mais dois colegas, um brega engraçadíssimo chamado CHIFRADA EM TRAVESSEIRO, um troço escroto demais e com uma veia de humor escatológico impagável. Eu de pronto incorporei ao meu repertório, doravante, nas centenas de serenatas que fiz pra meus amigos inúteis de classe média babaca e consumista eu cantava essa pérola. Virou um “hit” já que muitos amigos que tocavam violão também a incorporaram, sendo até gravada e feito parte de shows de algumas bandas de garagem de mauricinhos que existiam como verdadeira epidemia no Recife dos anos 80.

Tanto Gilson, como Ronaldo e Ricardo eram conhecidos entre si e eventualmente se encontravam para fazer farra. Tínhamos muitos amigos em comum na vila, todo mundo se conhecia, jogava bola junto e enchia a cara quando aparecia oportunidade, sempre ao som dos nossos violões que eram presença obrigatória nestas ocasiões. Numa segunda-feira, eu acordara por volta das 11h da manhã e começava a me preparar pra ir para a universidade, minha avó tinha o hábito de ouvir rádio na maior altura, passava naquela hora as broncas policiais da cidade.

Ouvi no rádio uma notícia que um veículo Opala laranja, evitando colisão com uma moto batera com outro, perdera o controle e caíra no canal do mangue na Antônio Falcão, vindo a falecer todos os quatro ocupantes do veículo. Ao dizer os nomes dos falecidos, eu me liguei num nome bem familiar: Gilson José da Silva, que era o nome do nosso pândego amigo, não consegui ouvir os demais nomes. Um sobrenome tão comum, assim como o nome do colega, julguei ser um homônimo, coisa perfeitamente possível, mas bateu aquele sexto sentido em mim. Resolvi dar uma passada na vila para saber se era ele, antes de chegar em sua rua, passa por mim o seu irmão mais velho com os olhos vermelhos de tanto chorar, era ele mesmo. O irmão disse-me assim: - vai ser no Parque das Flores às 15h o enterro dos meninos. Eu perguntei quem eram os outros, ele me disse: Ronaldo e Ricardo e Luizinho o primo deles, que eu não conhecia. Eu gelei na hora, acabara de perder de uma só vez três chapas meus, pessoas finíssimas e pra cima , na flor da juventude, Ronaldo já formado e indo trabalhar numa grande empresa, Ricardo prestes a se casar, viera ao Recife tratar dos detalhes da cerimônia de casamento.

Foi triste demais ver aquele funeral coletivo, Gilson completamente deformado, segundo testemunhas, ainda tentara sair do Opala, mas ficou preso debatendo suas pernas pra fora da janela, o carro ficar virado de rodas pra cima e os amigos não tiveram a menor chance. Eles fizeram uma farra praieira e voltavam pra casa para que o Ricardo levasse sua mãe no seu carro para festa de fim de ano da escola de sua irmãzinha caçula. Uma linda colega nossa, que morava na mesma rua dos dois irmãos, estava no funeral e disse que escapou de morrer naquele dia porque recusou a carona pra casa por querer pegar mais um pouco de sol. Tempos depois, fiquei amigo do Romero, irmão mais novo do Ronaldo e Ricardo, que era menino demais nesses tempos para andar conosco, aprendera a tocar violão e baixo e tornou-se uma das melhores companhias que tive durante os dois anos em que saí de casa e morei na Vila da SUDENE.


ALLAN SALES

Pão e Circo

Eduardo Campos, reeleito com o maior percentual de votos do Brasil, governa um estado que tem um crescimento econômico maior do que a média do resto do país. Tem uma base parlamentar favorável,apoio de prefeitos da RMR, aliado da presidenta, a oposição sem força para se interpor entre ele e seus projetos, céu de brigadeiro total.

No campo da cultura teve problemas na FUNDARPE fruto de investigações do TCE, tomou providências, pondo na pasta um nome respeitável e consenso na classe artística para por ordem na casa. Agora vem o carnaval, ele e seus aliados municipais promovem uma série de atrações musicais nada recomendáveis em termos de bom gosto estético, algumas delas, porém festejadas pela mídia fabricante de sucessos de marketing musical, além das atrações nacionais, pagas em valores nunca pagos para as atrações locais.

É claro que eles não estão pensando em agradar à classe média urbana mais culta, que não aprecia esse tipo de atração, classe média bairrista que chega até a chamar de estrangeiros os artistas contratados nesta leva em nome do genérico multiculturalismo criado pelos gestores da cultura. O eleitorado deles são as classe “D”(a turma das bolsas sociais” e a classe “C” (que migrou da classe D e hoje forma a nova classe média consumidora), é pra esses que esse carnaval transgênico deverá ser feito e na certa vai agradar em cheio ao gosto massificado desse povo.

Fizeram esta escolha, os detratores falam em superfaturamento, caixa dois, essas coisas, sempre falarão coisas assim, nada de novo no front. A classe média indignada é dividida, uma parte é e sempre foi demo-tucana não causará baixas eleitorais, a outra parte que simpatizante e eleitora dos cabras, creio que não migrará em peso por causa do carnaval para o lado do povo de Jarbas-Maciel.

Pão e circo meus caros amigos artistas que por hora vão protestando indignados com esse novo feito dos poderosos de plantão. O poder no Brasil, não importa a cor ideológica, sempre tratou artes e artistas de forma ultilitarista, nisso os conservadores e os populistas são iguais, os revolucionários ainda não vi nenhum deles no poder. Quando estavam na baixa nos anos mais duros, eram as atrações culturais que agregavam valor aos comitês e campanhas. Agora perderam a utilidade, já que eles tem poder em todos os níveis, quase hegemônico, não precisam do DNA das raízes para justificar e dignificar as coisas.

A lógica do marketing fala mais alto, cacifes são postos em jogo, já vi esse filme em pequena escala quando um deles, delirando e embriagado pela vitória, teve a brilhante idéia de contratar para as festas de fim de ano Sandy e Junior. O argumento era que as pessoas mais pobres não tinham como assistir a dupla teen no Chevrolet Hall, deve ser a mesma lógica, já que não dá pras classes C e D viajarem pra brincar em Salvador, eles trazem os baianos pra divertir essa gente e ganhar seu suado dinheirinho de nossos impostos.

Mas 2012 está bem perto, tenho certeza que muitos artistas preteridos que hoje protestam irados demais, na certa cortejarão os representantes deles viáveis eleitoralmente para fazer jingles a preços módicos, virar cabos eleitorais, etc. e assim, poder estar perto dos que se sentam à mesa do banquete do poder em busca das suas migalhas, na esperança de um futuro afago da nova casa grande. Esse filme eu já vi antes também.

ALLAN SALES