A maior dificuldade que encontrei ao deixar de beber foi reestruturar minha vida sem estar ao redor de uma garrafa de bebida, já que dos meus 20 aos meus 41 anos de vida pautei a minha vida social em torno de lazeres de copo. A maioria dos melhores amigos e amigas enxugam bem uma gelada de demais tipos de álcool deste mundo. Muitas dessas pessoas ao me verem na abstinência, muitas vezes me ofereceram bebida, dizendo não haver perigo num simples gole, naturalmente recusei esse convite.
Alguns colegas meus haviam parado com o álcool mais ou menos na mesa época em que eu deixei, caíram nesta tentação e voltaram com tudo. Um deles que passara quatro anos sem beber, durante um recital em homenagem ao nosso saudoso Chico Espinhara, emocionou-se e entornou entusiasticamente um garrafa de vinho, até o presente momento, está de volta ao copo e preocupado em querer deixar de novo. Encontrei com ele semana passada no centro do Recife, anda cometendo excessos e se comportando de forma desagradável para os que têm que aturar suas “performances” nada aprazíveis quando ele está chapado. Já presenciei umas quatro vezes ele caído pelos bares do centro, vomitando, ficando desacordado e à mercê de ser lesado por pessoas de má índole que costumam se aproveitar de que dá esses vacilos nesses cantos da cidade.
Tem outro bom amigo, dez anos mais velho, antigo parceiro de farras etílicas e musicais na Vila do IPSEP aonde eu estreei na esbórnia nos fins dos anos 70. Desde esses tempos ele comete excessos e tem comportamentos inadequados ao convívio social e um perfil depressivo e auto destrutivo. Em 2002, eu reencontro ele num ônibus e começamos a conversar, ele me convida para umas partidas de xadrez (joga divinamente) e me diz que está cerca de dois anos abstêmio. Nos congratulamos pelo nosso passado comum, pelo gosto pelo jogo de xadrez e pela luta em comum que travamos contra o alcoolismo, ele com uma aparência bem mais saudável daquela que costumava ver em outras vezes que eventualmente topei com sua figura. Meses depois, eu me encontro no Pátio de São Pedro quando alguém efusivamente me abraça e me saúda com entusiasmo em pleno Bar do Sargento aonde entrei pra tomar uma água mineral com gás. Era ele, olhos vermelhos e injetados, fala enrolada, bafo de cana muito forte, suado e cheirando mal, denunciando que está na farra há muitas horas e sem limite, tal como era nos tempos que eu o conhecia. Ele é separado da mãe de sua única filha, me conta que há cerca de nove meses arranjou uma namorada nova e que fora comemorar com ela e sua família o “reveillon” daquele ano de 2002, inebriado com o calor de sua amada, emocionado com a passagem de ano, ele aceita brindar com ela com uma inocente taça de espumante. Ele não vê nada demais nisso e embarca nessa com sua cara metade, na seqüência, termina por entornar com avidez e voracidade o resto da garrafa do espumante. Segue tomando todas as cervejas que vê na frente, enche a cara, dá vexame ainda na festa da família da namorada, o namoro dele não sobrevive à decepção da moça que descobre um lado da personalidade dele que ela ainda não conhecia: seu lado de bebedor compulsivo e todos os comportamentos sociopatas que são associados a quem tem essa doença psicossomática provocada por agente externo. Deu pena ver Marcos naquele estado deprimente, sempre o vejo com certa freqüência no mesmo estado, nas vezes em que apareço no Pátio de São Pedro de onde ele é freqüentador habitual.
Meu primeiro gole após meu tratamento de alcoolismo aconteceu de forma inusitada em 2003. Estava eu tocando numa casa muito rica em Vitória de Santo Antão, era aniversário de uma senhora muito distinta que estava curada depois de uma mastectomia radical por causa de um câncer de mama. As irmãs dela me contrataram para celebrar seu aniversário ao redor da piscina da enorme,linda e confortável casa dessa família abastada. Ao redor da piscina as mesas, eu bebia um copo de coca cola com gelo cantava acompanhado pelo violão animando a festa, numa mesa do lado uma das pessoas bebia uma dose se rum com coca e limão. De repente começa a chover, as pessoas se abrigam debaixo da coberta da área em que eu estou tocando, naturalmente, se aglomeram e trazem junto seus copos de bebida. A chuva é passageira todos voltam pra suas mesas e eu retomo meu show, de repente, a boca seca, eu pego o que eu pensava ser meu copo de coca cola, não era. Sinto o gosto forte de “cuba libre” na boca e me desespero. Temo que meu cérebro leia aquele arco reflexo e ative minha compulsão, uma vez caindo na corrente sangüínea, o álcool ativa sua ação e aí nosso psiquismo faz o resto do serviço da escravidão química de qualquer vício. Peço para um colega meu pegar o violão e segurar as pontas no palco, entro apressado no banheiro próximo da piscina, tiro a roupa e abro a torneira muito intensa de água muito fria e dou em mim um longo choque térmico ficando uns dez minutos debaixo daquela ducha gélida. Senti tanto frio que nem mais me lembrei do episódio de ter entornado aquele gole involuntário de bebida alcoólica. Volto ao palco morrendo de frio e termino a noite dormindo sossegado na casa de uma amiga que tenho na cidade que sempre me acolhia nas vezes em que eu visitava essa agradável cidade da zona da mata. Foi um susto danado, eu contando isso pra minha irmã mais velha no outro dia, meu filho mais novo estava ouvindo e começa a chorar pensando que eu havia voltado a beber, foi uma barra explicar pra ele que fora uma coisa acidental e que a idéia que tive do choque térmico provavelmente barrou o impulso que meu cérebro receberia com aquela pequena e involuntária dose de álcool. É isso aí.
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