Estava em plena atividade de oficina de literatura de cordel no Distrito de Mimoso, Pesqueira-PE com um grupo de 25 adolescentes do local. No caso uma das atividades da Jornada Literária do Portal do Sertão, evento produzido pelo SESC-PE.
A garotada bem tímida no começo, um ou outro mais saliente participando efetivamente da atividade que eu nessa hora desenvolvia de construir sextilhas a partir de versos sugeridos por eles mesmos. De repente, entra na sala uma anciã bem agitada, falando que gostava de poesia e que desejava mostrar ali uns versos. Uma das meninas, demonstrando constrangimento diz pra mim se tratar de sua avó, e diz discretamente: é minha avó, ela e amostrada demais e é doida. Mostrando-se envergonhada com a presença da senhora, eu questionei o porquê desse sentimento, ela não respondeu.
Em seguida, os demais jovens entram numa algazarra muito estridente, corroborando a mal estar da menina que não se sentia bem com presença da senhora invadindo nossa cena. Vaiando a velha, e dando a entender que ela deveria retirar-se. Eu esbravejei sem titubear e disse:- olha essa falta de respeito com a idosa, onde vocês aprenderam isso? Um dos jovens responde:- que nada , essa véia é uma doida. Eu retruquei e perguntei se a loucura dela dava razão para aquela falta de respeito. Eles se calaram, eu disse pra ela me mostrar o seu poema.
No começo da oficina eu falara para eles sobre a transmissão da cultura oral, típica de grupos humanos analfabetos ou com pouco acesso à cultura letrada. Ali eu tinha uma anciã que nos brindaria com algo da cultura popular que lhe fora legado por sua avó, que segundo ela nos falara era analfabeta. Ela declamou essa quadra:
“Menino dos olhos pretos / Sobrancelhas de veludo/ O teu pai não tem dinheiro/ Mas teus olhos valem tudo” .
Eu ali na hora escrevi na cartolina esse poema, e mostrei pra eles que se tratava de versos de sete sílabas métricas, iguais aos que estávamos estudando e produzindo ali. E disse que muitos cordéis também foram escritos em quadras como aquelas que a Dona Zeza nos mostrara ali com tanta eloqüência.
Completei dizendo pra eles:- fosse eu entrar na de vocês, a gente não teria oportunidade de aprender um verso antigo desses que a bisavó dessa menina passou pra Zeza. Pedi palmas pra Zeza, eles aplaudiram a velha senhora, dessa vez, com entusiasmo e o respeito que ela merecia.
Contei o fato para minha irmãzinha Susana Morais que estava dando oficina para uma turma de crianças ali mesmo em Mimoso. Dia seguinte, Susana me contou que durante a apresentação de um trio de poetas declamando uma homenagem a Luiz Gonzaga, Dona Zeza apareceu solicitando uma pauta no palco, subiu, se mostrou como de costume, dessa vez apupada entusiasticamente pelos jovens de minha oficina e demais moradores que entraram no mesmo clima. Ganhei o meu dia.
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