sexta-feira, 4 de julho de 2008

O PREGADOR QUE FUMAVA..

Estamos no TIP, perto das 8 da manhã, eu e o poeta Adiel Luna rumo a Bom Nome, de onde nos deslocaremos para Belmonte aonde nos apresentaremos no dia seguinte, uma sexta-feira na praça pública, em companhia do grande Chico Pedrosa e do repentista José Oliveira, será nossa versão em quarteto de CANTORIA DECLAMATÓRIA.

Embarcamos com a primeira parada prevista em Caruaru, aonde sobem outras pessoas a bordo do ônibus, cujo destino final é em Marabá-PA e que segue varando o sertão de Pernambuco. Ao retomarmos a viagem, notamos que um jovem rapaz se despede emocionado de sua mãe:- adeus mãinha , fica com Deus…. foram essas suas emocionadas palavras entre suas sinceras lágrimas que não escondeu de todos que perto testemunharam esse seu momento de vida.

Eu seguia numa animada e gaiata conversa com meu bem humorado de sempre parceiro Adiel. Pondo as conversa em dia, ele me contando seus causos e me falando dos seus projetos e inquietações, muita galhofa da parte dele e da minha, comentando sobre os dotes físicos de uma potranca que também embarcara em Caruaru, sentada duas poltronas atrás das nossas. Quando passamos por Cruzeiro do Nordeste, eu comentei acerca de uma estátua do Padre Cícero e da minha ausência de fé na santidade do padre do Juazeiro.

O rapaz que se despedira da mãe de forma emocionada, carregava em suas mãos uma surrada bíblia protestante, entra na conversa condenando a idolatria católica, abre sua bíblia numa página que ele conhecia o que esta continha e passa a recitar versículos do velho testamento condenando os bezerros de ouro,etc. Nossa, o rapaz de olhar esperto, fala derrapando no vernáculo denotando carência de escolaridade, mas de uma desenvoltura danada quando o assunto são as sagradas escrituras. Falava com muito gosto e entusiasmo e demonstrava conhecer bem o livro.

Eu pergunto pra ele qual a sua congregação, no caso a Assembléia de Deus, à qual ele se converteu nos tempos em que morou com um tio em Maceió, antes de vir morar por dois anos com sua mãe em Caruaru. Ele fora o responsável da conversão da mãe, de católica fervorosa em evangélica, mas ele mesmo se dizia um “crente desviado”, denominação que eles dão aos irmãos de fé que se afastam dos desígnios da igreja.

Eu pergunto o que ele acha de Edir Macedo e sua voracidade pelo dízimo do rebanho, falo pra provocar o rapaz, Adiel do lado se divertindo de monte. Ele conta que uma vez entrou por curiosidade num templo da igreja do Macedo em Caruaru, segundo ele, o pastor dizia: - se sua fé é grande, ponha cinqüenta reais, se não for tão grande ponha vinte reais, e assim por diante, graduando o valor da fé das pessoas em função daquilo que elas põem no envelope. Ele mesmo se dizia indignado com essa voracidade materialista desses pregadores, muito embora concordando com necessidade da doação pra manter as obras de Deus .

Dito isso, nosso jovem companheiro de viagem começa com uma saraivada de citações na bíblia falando acerca da doutrina do dízimo. Puxa vida, o cabra conhecia bem o livro, tinha muitas coisas sublinhadas com caneta fluorescente, de modo que falava com grande entusiasmo, denotando uma sinceridade comovente naquilo que falava.

Adiel, sempre sacana pergunta por que ele não se tornara pastor, ele responde que até pensou, mas não “criou coragem” de encarar o seminário, provavelmente usando a palavra coragem como eufemismo para não falar de inaptidão causada por sua escolaridade insuficiente para tal fim. Em seguida, ele fala que vai ao Pará morar com o pai que cria gado de leite naquelas terras.

Fala de seus dois irmãos mais novos e passa a contar suas vivências rurais na casa paterna, fala com muito entusiasmo de sua relação com os cavalos e de sua paixão pelas cavalgadas. Porém diz que o pai pega pesado e que não dá moleza pra ninguém, chama pai de “ingorante” demais. Diz isso e mostra uma cicatriz pavorosa na altura de um dos seus tornozelos, era seqüela de uma pisa de cipó de couro que levara do pai por causa de uma travessura sua.

Eu pergunto o que ele andou aprontando, ele fica envergonhado, eu insisto, ele nada. Eu então especulo: - teu pai te pegou namorando com alguma cabrita? Ele ruboriza, Adiel racha de rir, o rapaz, me diz que sou escroto demais, novidade, mas nega.

Termina contando, foi com o irmão levar umas vacas pra um vizinho, no meio do caminho acharam uma plantação de melancia e comeram algumas, as demais pinicaram de faca. Em casa, foi contar ao pai, o pai arretou-se deu-lhe uma surra de cipó de couro, a ferida do tornozelo deu leschmaniose e virou ferida braba, essa o papai tratou fazendo em cima dolorosas compressas de sal.

Seguimos na estrada, ele com sua bíblia volta a pregar, e Adiel propõe que ele ao chegar ao Pará funde uma igreja, um trabalho bem mais leve do que lidar com o gado. Adiel diz assim: tu funda uma igreja, em vez de pedir grana tu diz.. se sua fé é grande ponha um boi, se for menor, ponha um bode e assim por diante.

Diante de uma fala tão sacana desta do poeta, nosso pregador desiste da catequese e passa a conversar as abobrinhas mais amenas. Em Custódia paramos para almoçar, e aí entendemos o que ele quis dizer o que era ser desviado, era o rapaz um fumante inveterado, fato que pudemos comprovar pela quantidade e variedade de cigarros que ele levava na bagagem, segundo Adiel sua bolsa era um verdadeiro fiteiro.

Uma parada em Serra Talhada, meia hora depois descemos em Bom Nome aonde nosso anfitrião Cícero Moraes nos espera. Nos despedimos de nosso divertido parceiro de viagem indo ao encontro da casa paterna no Pará, mais uma monte de histórias de vida de um brasileiro do povo nordestino nas suas idas e vindas em buscar de um espaço de estar no mundo, quem sabe um dia eu faço um cordel sobre o pregador que fumava.

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